Crônica
As coisas andaram. O mundo deu
uma evoluída fantástica. Olho para esta garotada que está aí e percebo que já
virei os 50, mas me remeto aos meus sete anos. Falo dos sete anos por que a
partir daí tenho lembranças mais claras do meu passado. A TV lá em casa era
preto e branco, mas a primeira TV na minha casa só chegou quando eu tinha nove
anos. Antes disso o vizinho tinha comprado uma e eu ia lá assistir com os
filhos dele. Naquela época a TV exibia alguns programas que eu adorava: Rin Tin
Tin, Os Três Patetas, A Grande Família e por ai vai. Na minha infância não se
ficava o tempo inteiro na frente da TV. Tudo tinha um horário determinado até por
que o meu lazer preferido quando criança era ‘jogar taco’. Isso sem falar nas
bolinhas de gude, futebol, andar de patinete, carrinho de lomba com rolimãs,
subir o morro que tinha perto de casa, andar de bicicleta, dentre outras
diversões inesquecíveis.
A nostalgia me leva ao meu
passado, que foi simplesmente espetacular. Amo minhas lembranças de criança.
Não posso esquecer os meus anos de internato na escola. Isso mesmo. Eu ficava a semana
inteira na escola, literalmente internado, e só voltava para casa nos finais de
semana. Depois de quatro anos no internato integral da escola, minha mãe me
transferiu para outra escola. Passei para o semi-internato, ou seja, eu passava
o dia inteiro na escola e só voltava para casa à noite. Essa coisa de ‘internato
na escola’, para alguns pode parecer um tipo de prisão, uma coisa apavorante.
Quando comento isso, as pessoas não compreendem o valor que tinha e tem hoje em
dia um colégio interno. No colégio interno se aprende de tudo, inclusive o
convívio sadio entre meninas e meninos. Os colégios internos que frequentei
eram mistos; meninos e meninas.
Isso
aconteceu no ano de 1967. A concorrência era ferrenha. Conseguir uma vaga em um
colégio interno era mais difícil que conseguir passar no vestibular nos dias de
hoje. Era uma média de 200 candidatos por vaga. Era também muito caro e parece
que continua até hoje. É fácil imaginar por que: cama, mesa, banho, estudos,
roupa lavada, atividades, e ficar uma semana inteira na escola saindo só nos
finais de semana, definitivamente não era para qualquer um. Custava uma ‘grana preta’
e volto a repetir, custa até hoje, escola de turno integral é algo especial para
os pais que querem dar uma educação diferenciada para os seus filhos. Nos dois
primeiros dias na escola interna eu chorei, queria voltar para casa. Eu tinha
apenas sete anos. Mas tudo se tornou familiar muito rápido. Dividir o dormitório
com mais de 100 crianças não era fácil. Porém a privacidade de cada um não era
violada. O banheiro era para 30 pessoas. Então ele possuía: 30 chuveiros, 30 pias
e 30 vasos, etc.
Era
obrigatório ser solidário nesse ambiente coletivo. Fazia parte da educação
coisas como: turmas alternadas de crianças para limpar e usar os banheiros e para
tomar banho. Ao acordar de manhã todos tinham que arrumar suas camas e ficar ao
lado delas para uma supervisão da freira. Tínhamos que ajudar dois garotos dos
total de 100 que faziam xixi ou cocô na cama, todos se revezavam nesta função.
Escovar os dentes tinha horário. Na verdade tudo tinha horário. Só não tínhamos
horário para utilizar os banheiros. Lembro-me com carinho que o colégio tinha
uma grande horta. Uma vez por semana nós éramos encarregados de cuidar dela.
Ali nós plantávamos mudas e capinávamos os matinhos que cismavam em crescer ao
redor das hortaliças. A horta era linda. Colhíamos laranjas do pé, bergamota,
pêra, goiaba, dentre outras frutas.
Volta e meia tínhamos
competições com outras escolas, desfiles na rua principal da cidade de Viamão,
RS, apresentações, jogos, dentre outras disputas. O prédio do colégio era
administrado pelas freiras. É um prédio enorme de três andares e lembra um
grande convento. Devia mesmo ser um convento devido ao grande número de freiras
vivendo e trabalhando lá. O prédio possuía duas alas: a ala masculina e a
feminina. Durante o período de aulas, as refeições e as atividades eram coletivas.
Meninas e meninos ficavam juntos, sob o forte controle das freiras. Minhas
notas eram muito boas. Não tinha como ser diferente. Era tudo muito organizado.
Não tinha outro jeito. Tinha que estudar.
Todas as roupas de uso pessoal,
tais como: cama e banho, etc., eram identificadas com o número 110. Quando
precisava de alguma roupa, qualquer que fosse eu me dirigia ao balcão da
rouparia dizia o meu número e pegava o que eu precisava. Repetindo, éramos 100
meninos e mais 100 meninas do outro lado. A escola existe até hoje. Não mais em
regime de internato. O nome dela é Stella Maris. Ela fica na cidade de Viamão,
no Rio Grande do Sul.
Como já disse anteriormente
colégio interno era coisa cara, coisa de gente rica. Minha mãe não tinha como
pagar. Eu entrei no colégio Stella Maris com uma bolsa de estudos, mas minha
mãe me avisou que se eu ‘rodasse’ algum ano perderia a bolsa, então eu tinha que
fazer a minha parte de ter um bom desempenho. Minha mãe gastou uma fortuna para
comprar o meu enxoval e coisas para o meu uso pessoal na escola, além de bordar
peça por peça com o número 110. O bordado era vermelho. Lembro-me como se fosse
hoje.
Eu
vivia com minha tia-mãe adotiva. Ela era solteira e era irmã da minha mãe
verdadeira. Logo tudo em casa. Ela me criou desde o primeiro ano de vida e me
adotou de fato quando eu fiz seis anos. Fizemos um combinado de eu não perder
nenhum ano para que o sacrifício dela em me ajudar com aquela educação
diferenciada, conseguindo a tão sonhada bolsa, não ser em vão. Eu não queria decepcioná-la.
Eu não tinha o direito de tirar notas
ruins, e fiz a minha parte nunca perdi nenhum ano.
Minhas notas sempre foram ótimas.
Ainda guardo os meus boletins do Stella Maris em minha casa aqui em Malden, MA.
Minha mãe Dalila era fantástica, guardou tudo que podia e achava relevante da
minha infância. Ela me deu minhas memórias destes tempos depois que passei dos
20 anos. Fiquei internado no Colégio Stella Maris do primeiro ao quarto ano
primário. Saí então do sistema de internato e passei para o sistema de semi-internato.
Nessa época eu passava o dia inteiro na escola e à noite voltava para casa, mas
não era mais o colégio Stella Maris, era a Escola São José em Porto Alegre bem
no centro da cidade ( sai do interior e fui para capital do estado), que depois
de um tempo mudou o nome para Escola Medianeira. Ela também era administrada
por freiras e padres. E lá estava eu com a minha bolsa de estudos. Essa escola
ficava na Av. Alberto Bins em Porto Alegre, ao lado do Hotel mais luxuoso da
cidade à época: o Plaza São Rafael. Um hotel 5 estrelas que está no mesmo endereço
e continua funcionando. Àquela época o hotel parecia coisa do outro mundo.
Minha mãe trabalhava duro. Solteira.
Só eu e ela em casa. Ela era vendedora nas famosas Casas Pernambucanas. Tinha
um bom salário. Nossa casa era grande e própria. Vivíamos bem. Sou muito grato
a ela pela boa educação que me deu. A Dalila, minha mãe adotiva, já não está
mais entre nós, mas eu tive tempo de cuti-la muito. Eu já morava nos Estados Unidos quando ela
veio a falecer, mas eu já possuía o
Green Card e tive oportunidade de visitá-la várias vezes no Brasil. Ela morreu
com mais de 80 anos. Bem vividos. Tenho muito orgulho dela. Ainda sinto sua
falta. Ela sempre foi e ainda é um grande exemplo de vida para mim. Seus
ensinamentos andam comigo até hoje. Meus filhos vivem e praticam parte destes
ensinamentos que acreditam tenham vindo de mim, mas muita coisa veio dela. Bons
tempos!
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